terça-feira, agosto 27, 2013

Fila de espera por transplantes diminui em 60% em Goiás

Cinco psicólogas com especialização em psicologia hospitalar, em plantão de 24 horas, sete dias por semana. Com a força tarefa dessa equipe, a Central de Transplantes de Goiás, braço da Secretaria da Saúde, conseguiu reduzir a fila de espera por doações de córneas em quase 60%. O trabalho das profissionais envolve, principalmente, a sensibilização dos familiares do paciente falecido quanto à importância da doação.
No caso da captação das córneas, como se trata de um tecido, o globo ocular pode ser retirado até seis horas após o óbito. Isso significa que o doador não precisa ter morte encefálica, nem ter os órgãos mantidos artificialmente graças a aparelhos, como acontece com a captação de rins, pâncreas, fígado e coração. Essas condições aumentam, potencialmente, o número de possíveis doadores das córneas e justifica o foco da atuação da equipe.
Segundo a psicóloga Patrícia Vasconcelos, uma das idealizadoras do projeto, que começou em junho deste ano, os trabalhos de sensibilização tiveram uma resposta rápida e contribuíram para diminuir a fila de espera, que chegava a ter 1,4 mil pessoas, para atuais 592. O tempo aguardando a doação também caiu: de um ano e meio foi para seis meses. “Mostramos como a doação pode ajudar a melhorar a vida das outras pessoas. As famílias têm se conscientizado e entendido como é importante esse ato”.
O médico Luciano Leão é gerente da Central de Transplantes de Goiás.
O médico Luciano Leão é gerente da Central de Transplantes de Goiás. Foto: Sebastião Nogueira.
O primeiro transplante no Brasil foi realizado na década de 80. Apesar de mais de 30 anos terem se passado, muitos ainda têm dúvidas que podem dificultar a decisão pela doação, daí a importância da equipe de psicólogas para dar apoio e esclarecer o processo. 
Uma indagação comum é se o corpo do doador ficará deformado ou se o caixão terá que permanecer fechado. O gerente da Central de Transplantes, o médico Luciano Leão (foto), é categórico ao responder: “A retirada dos órgãos é como qualquer cirurgia. Há anestesia e sutura perfeita”. Ele explica que é obrigação entregar o corpo do doador restituído e em perfeito estado. Como a captação das córneas exige a retirada do globo ocular, é colocada uma prótese de silicone no local dos olhos, o que garante a aparência normal com as pálpebras fechadas.
Decisão e lei
Para uns, o fim. Para outros, o recomeço, uma nova vida. Ao longo da história da humanidade, a morte nunca deixou incólume quem fica, independente de religião, espiritualidade ou ceticismo. Onde há laços afetivos, os momentos finais não são fáceis. Entretanto, a medicina proporciona um paralelo delicado: enquanto há a despedida, pode haver também uma outra perspectiva de vida com a doação de órgãos. E a decisão de seguir em frente e ajudar ao próximo cabe aos familiares.
Por isso o trabalho intenso nos corredores e leitos dos hospitais da equipe.  “Abordamos a família numa situação difícil, estão convivendo com a perda de um ente querido e, ao mesmo tempo, solicitamos que aquela perda se transforme em vida para outro. É um ato de pura generosidade. A sociedade deve ser extremamente grata a essas pessoas”, declara Leão.
Quem deseja se tornar um doador deve sempre comunicar a vontade em vida aos parentes mais próximos, conforme orienta o médico. Ele lembra que anos atrás a opção de não doar constava no documento de identidade e, caso não houvesse o registro dessa negativa, a doação seria presumida. Essa medida caiu no ano de 2000 e, para o médico, a maneira como funciona desde então é bem melhor. “O melhor método é, realmente, conversar com a família. Se não, a doação se torna um gesto frio. Transplante é uma coisa séria, exige comprometimento, boa vontade, abnegação. A legislação brasileira é muito sensata: ela humaniza esse processo e garante privacidade ao doador”.
Ana Lúcia Amorim, da Comissão de Direito Sanitário e Direito à Saúde.
Ana Lúcia Amorim, da Comissão de Direito Sanitário e Direito à Saúde.
A presidente da comissão de Direito Sanitário e à Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Seccional Goiás, Ana Lúcia Amorim (foto) concorda com Leão: as leis são igualitárias e completas quanto ao transplante e doação. A profissional explica que “não importa se quem precisa do órgão dispõe do melhor plano de saúde ou se está interno num hospital público. Todos são iguais na fila de espera. E há, inclusive, imposição de penalidades sobre dispor de maneira onerosa de órgãos”.
Outro tópico de destaque da legislação, para a advogada, além da necessidade de autorização dos familiares, é a proibição da retirada de órgãos de indigentes. “Caso essa situação não estivesse prevista, poderia ensejar um mercado negro de órgãos e até o desaparecimento de pessoas. Se a lei for desrespeitada, há penalidade, de dois a seis anos de reclusão e, se o crime for praticado mediante promessa de recompensa, a pena pode aumentar para três a oito anos”.

Vida após o fim
Marcelo completaria 11 anos no dia 7 de dezembro do ano passado. No entanto, sua vida foi abreviada por uma irresponsabilidade alheia: na noite do dia 23 de setembro passado, um motorista alcoolizado colidiu com o carro da família, que veio passear em Goiânia e retornava à casa, em Caldas Novas. O acidente matou na hora a mãe, Telma. O pai, também chamado Marcelo, chegou a receber os primeiros socorros do resgate, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu na ambulância. A irmã, Júlia, de seis anos, única sobrevivente, sofreu uma lesão na coluna, foi encaminhada ao hospital em estado grave e hoje passa por tratamento para recuperar o movimento das pernas.
Dona Léa Durães não estava no carro no momento da batida, mas não ficou ilesa. Cuidou do velório do filho e da nora, em Caldas, e também olhou os netos transferidos ao Hospital de Urgência de Goiânia (Hugo).
O pequeno Marcelo foi o primeiro neto de Dona Léa. Era um garoto especial, carismático e que gostava de ajudar as pessoas, segundo as palavras doces e saudosas da avó. No primeiro dia de internação, ele foi diagnosticado com morte encefálica. Depois, outros exames constataram o fim. Ou, pelo menos, o que seria uma versão do fim. “Meu neto foi embora muito cedo, não era justo acabar a vida assim. A doação de seus órgãos foi uma maneira de perpetuá-lo. De alguma forma, uma parte dele vive em outro lugar. Ele era muito jovem para entender isso, mas, do mesmo jeito com que ele era generoso, acredito que fiz a vontade dele em ajudar ao próximo”, relata a avó.
Em meio à dor de perder parte da família, Dona Léa conta que teve forças para mudar de opinião quanto à doação, ao conversar e se informar com a equipe da Central de Transplantes. “Reconheço que antes sempre fui contrária à retirada dos órgãos. Hoje, defendo a doação de órgãos para meus amigos e familiares. É um gesto muito importante. Há duas opções: ajudar alguém que realmente precisa ou deixar o corpo debaixo da terra. Além disso, nunca sabemos o futuro. Amanhã, qualquer um pode precisar e vir a ser um receptor”, sentencia.

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